segunda-feira, 9 de junho de 2008

O Diálogo entre religiões: Uma visão sobre o Império Romano

Através de seu artigo “Religiões e as Questões de Cultura, Identidade e Poder no Império Romano” (PHOINIX, vol. 11, 2005, pp.196-220), a Profª Drª Norma Musco Mendes e a Profª Msª Uiara Barros Otero observam e discutem a formação da identidade étnica e sua estreita ligação com o culto religioso público e a afirmação do poder imperial através de sua política religiosa, bem como a diferenciação do politeísmo da religião tradicional de Roma em contraposição com o monoteísmo cristão. Analisam, ainda, a estruturação da identidade cristã, as condições que propiciaram o surgimento e a difusão do cristianismo pelo Império, além dos conflitos de valores e poder entre esta religião e a tradicional romana.

Norma Mendes -professora adjunta de História Antiga do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ, membro do Laboratório de História Antiga (LHIA) da UFRJ, além de bolsista de Produtividade do CNPq-, juntamente com Uiara Barros -professora de História Antiga e Medieval da Unigranrio e colaboradora do Laboratório de História Antiga (LHIA) da UFRJ-estabelecem de imediato a hipótese que o surgimento e a disseminação do cristianismo no Império Romano se torna possível devido à estrutura política religiosa, fundamentada no parâmetros politeístas romanos (p.197). As autoras procuram fundamentar suas idéias através do diálogo entre documentação imagética e a historiografia, abordando a correlação entre poder e cultura -idéia de que a hegemonia e o poder podem ser alcançados através de valores ideológicos e culturais- e o enquadramento da religião, entendida pelas mesmas como “uma construção cultural das cidades“, premissa esta que representa tal religião associada ao processo de Romanização do Império.
Através de um método crítico, as autoras focaram suas análises - em primeira instância na religião tradicional da cidade de Roma afirmando-a como política, além de apoiar-se na idéia da integração e coesão social que a mesma permitia, visto que as práticas religiosas estariam estreitamente relacionadas com a condição cívica do indivíduo, havendo, conseqüentemente, um atrelamento da identidade religiosa à social, o que garantia um sentimento de pertencimento e adequação à ordem cívica e a afirmação da identidade romana.
Observam com clareza como os cultos públicos –extremamente importantes à medida que garantiam a proteção das cidades e a manutenção da Pax Deorum- eram organizados pelos magistrados superiores e edis, por exemplo, ou seja, a elite socioeconômica e política romana. Tal análise corrobora com a proposição inicial exposta de que a religião romana desempenhava um papel político.
Há uma preocupação em determinar que havia na religião politeísta uma “separação entre a prática religiosa e a moralidade”, mas que existia, no entanto, uma certa interação entre as formas de pensar diversificadas, porém, que não foram incorporadas em um sistema. A noção de tolerância religiosa foi trabalhada e adquiriu extrema importância para fundamentar a idéia de Romanização, de assimilação e interdependência cultural observado na religião através da interpretatio, momento em que as autoras utilizam-se não apenas da análise de documentação imagética, mas também da apresentação dos resultados do projeto de pesquisa “Romanização e o desenvolvimento do sistema urbano na região do Algarve”, que, através dos quais reafirmam tal mecanismo de romanização e sustentam categoricamente a idéia defendida no princípio do artigo.
Tal negociação intercultural foi imprescindível para criação do sentimento de pertencimento dos provinciais –especialmente da elite local- ao ideal de civilidade romana, de identidade romana, e por estas práticas estruturavam “sua posição na hierarquia das relações de poder existentes no império”, difundindo nas províncias práticas como o Culto Imperial, que afirmava a relação de poder e hierarquia de Roma, a reafirmação da identidade cívica local e romana através dos cultos públicos. Apesar da análise deste aspecto ter sido desenvolvida com intensa preocupação tanto crítica quanto descritiva, fica ainda dependente de uma explicitação no texto de como se engendrou tal processo de romanização entre os provincianos não-elitistas, partindo do questionamento se tal ideal de identidade romana civilizada e virtuosa atingiu amplamente mesmo as classes provincianas menos abastadas e se a interpretatio ocorreu imediatamente ou ao longo de um determinado tempo.
É importante explicitar a observação das profªs que, apesar de sua importância, a participação nos cultos públicos não era imposta pelo poder imperial, nem mesmo o controlo de cultos privados, contando que estes não prejudicassem a ordem estatal. Neste momento, a hipótese revelada nas linhas iniciais de seus textos começa a ser realmente defendidas, pois devido a essa ausência de controle público, começam a surgir as primeiras comunidades cristãs, baseadas na filosofia helenística, que iniciam um processo de rompimento com a religião tradicional politeísta em todos os sentidos, como ao adotar um ideal de crença comum e a determinação de práticas sociais morais. As autoras analisam como estes e outros conceitos auxiliaram na criação de uma identidade cristã, contrariando a ordem romana, iniciando-se o conflito religioso e a disputa pela afirmação de poder e identidade anteriormente exposto e defendido.
As profªs Norma e Uiara através de um método crítico forneceram todos os meios necessários ao desenvolvimento e a compreensão do problema através de uma determinada cronologia dos acontecimentos, preocupando-se em desenvolver os conceitos sem pressa e detalhadamente, fato este que proporciona uma reflexão mais concisa sobre as questões abordadas. Utilizam-se, de uma forma inteligente, da documentação imagética e historiográfica, empregando-os de forma a sustentar a hipótese sugerida, o que realiza com êxito. No entanto, utilizam-se da historiografia apenas para sustentar tal hipótese, sem promover uma discussão historiográfica, esta sendo possível através da utilização de contra-argumentos que revelariam outras possíveis abordagens, as quais poderiam enriquecer ainda mais a obra.




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