segunda-feira, 9 de junho de 2008

Análise dos Problemas da História para o Homem:

“A medida que buscamos as origens, vamos nos tornando caranguejos. O historiador olha para trás; até que finalmente também acredita para trás.”
Friedrich Nietzsche - O Crepúsculo dos Ídolos, 24


Em sua segunda intempestiva, Da Utilidade e dos Inconvenientes da História Para a Vida, obra datada de 1874, Friedrich Nietzsche (1844-1900) apresenta seu questionamento em relação à forma na qual os homens encaram o seu passado, subordinando-se ao mesmo. O filósofo trata que o ofício de História não apenas seria desnecessário como prejudicial. Afirma que escreve contra ela (a história), contra tudo que sua época glorificou. Desta forma, outra de suas rupturas é com o historicismo alemão e sua forma de conhecimento degenerativo.
O esquecimento passa, dessa forma, a ser ponto de partida para a filosofia Nietzscheana, especialmente quando este refere-se à tradição –visto pelo autor como um passado impositor e que limita o desenvolvimento do homem como um espírito livre- e sua relutância em libertar-se do passado.
A partir destas premissas e, de acordo com seus princípios, Nietzsche busca encontrar uma possível utilidade para a história, diferente daquela vigente na Alemanha de seu tempo -que sugeria ao homem valores que não lhe conferiam- da época do despotismo esclarecido de Frederico II.

“(...)Contamos, efetivamente, expor nestas páginas por que razão devemos abominar, segundo a palavra de Goethe, o ensino que não vivifica, o saber que amolece a actividade, a história encarada como precioso supérfluo e fluxo do conhecimento - falta-nos o necessário, e o supérfluo é inimigo do necessário. Decerto que temos necessidade da história, mas temos necessidade dela de uma maneira diferente da do ocioso requintado nos jardins do saber, mesmo que ele olhe altivamente para as nossas rudes e antipáticas necessidades.” (Co.Ext.II; 1976: prefácio)


Para Nietzsche, a principal atividade da História deveria ser a retomada ao passado, não apenas a conservação do erudito –acumulador de saberes, verificador de minúcias-. O filósofo afirma que a História atua como um veículo de afirmação e reforço da Tradição, além da imposição de um status quo. Sendo assim, a sociedade não deveria regrar-se por ela, pois assim, ficaria estagnada, submersa.
Nietzsche, ao início de sua segunda intempestiva sugere que os animais são mais felizes por “sentirem a-historicamente”. O animal é aquele para o qual cada minuto é ele mesmo, devido ao fato deste não reter nenhum tipo de lembrança. Por não possuir História, o animal vive o presente absoluto, é a-histórico e é exatamente esse motivo que lhe garante a felicidade. Como nos diz o filósofo:

"Quem não se instala no limiar do instante, esquecendo todos os passados, quem não é capaz de manter-se sobre um ponto como uma deusa da vitória, sem vertigem e medo, nunca saberá o que é a felicidade e, pior ainda, nunca fará algo que torne os outros felizes. (...) Todo agir requer um esquecimento: assim como a vida de tudo que é orgânico requer não somente a luz, mas também escuro. (...) Portanto: é possível viver quase sem lembrança, e mesmo ser feliz, como mostra o animal; mas é inteiramente impossível, sem esqucimento, simplesmente viver.” (Co. Ext.II; 1978: p.58)

O filósofo, nestes termos, defende a idéia de que a constante análise da História seria como amarras que atariam os homens ao passado, Considerava que "o excesso de história" parecia "hostil e perigoso à vida", limitador da ação humana, inibindo-a. Por isso, o esquecimento não seria um acidente, mas sim uma faculdade para o acesso à felicidade, visto que esta engendra a formação de um espírito livre, criativo e dotado de valores superiores. Nestes termos, propõe a necessidade de valorização dos instintos -geralmente entendidos como uma manifestação da pureza e autenticidade humana- em oposição à razão, para ele símbolo do utilitarismo degenerante e materialista. Nietzsche, desta forma, questiona o saber empírico, pois de

acordo com ele, este serviria para impedir o discorrer dos acontecimentos. Refuta, ainda, a idéia de um conhecimento como acúmulo fechado conforme define o saber histórico. Para o filósofo:

“Assim, o sentido histórico torna seus servidores passivos e retrospectivos; e quase que somente por esquecimento momentâneo, precisamente na intermitência desse sentido, o doente de febre histórica se torna ativo, para, tão logo a ação tenha passado, dissecar seu ato, impedir por meio da consideração analítica a continação de seu efeito e, finalmente, ressequi-lo em história” (Co. Ext.II; 1978: p.67)

A partir desta ótica, seria necessário ao homem ousar atravessar o ilimitado, visto que a racionalização histórica leva à restrição das ações humanas, privando-o da vivência do momento em detrimento da ruminância de um passado, impedindo este de “soltar o freio do ‘animal divino”. É principalmente neste ponto em que Nietzsche opõe-se ao cristianismo, pois o último, de acordo com o filósofo, através de uma moral religiosa, restringe os instintos mais primários do indivíduo, com é o caso da humildade, um exemplo de moral limitante, justamente por ser a mesma um esforço para adequar-se à tradição, não uma característica natural do ser humano.
Retornando à análise sobre a história, o que Nietzsche propõe é inovador, visto que rompe com todo o modelo historiográfico contemporâneo ao mesmo. No entanto, o filósofo descreve um homem que como sentisse apenas historicamente, conforme podemos verificar:

“Um homem que quisesse sempre sentir apenas historicamente seria semelhante àquele que se forçasse a abster-se de dormir, ou ao animal que tivesse de sobreviver apenas da ruminação sempre repetida.” (Co. Ext.II; 1978: p.58)

Dessa forma, Nietzsche caracteriza, em sua análise, o conceito do “abuso da História”, uma espécie de exagero, pois o filósofo critica a forma desvantajosa da qual tal História é utilizada. No entanto, retirando-se um

pouco da visão de Nietzsche, pode ser atribuído à esta História um certo grau de importância, visto que através da análise da mesma pode-se, ao invés de querer reviver um fato ou época passada, utilizá-la com o intuito de não cometer os mesmos erros daquele. Através de uma convivência harmônica deste passado com o presente, sem renegá-lo a um status inferior –conforme sugere o filósofo ser um ato de historiador- esta História poderia decerto ser utilizada de forma a corroborar com o nosso presente de maneira deveras significativa.

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