segunda-feira, 9 de junho de 2008

A fabricação de um Império: Perspectivas e rupturas historiográficas

Esta resenha busca analisar a “independência” do Brasil colônia, seu processo de fabricação do império através de um diálogo entre a obra “A Interiorização da Metrópole (1808-1853)” de Maria Odila da Silva Dias e “A Outra Independência” de Evaldo Cabral de Melo, ambas imprescindíveis à historiografia recente, principalmente no que tange a colônia à época da virada do século XVIII para o XIX.

A historiografia tradicional da “independência” do Brasil, principalmente até a década de setenta, é marcada por uma abordagem dicotômica da colônia – explorada – insurgindo-se contra a metrópole a partir de um sentimento nacionalista e revolucionário. É comum ainda, em tal tipo de enfoque, vincular a separação política da metrópole em 1822 à consolidação de um estado unitário, bem como sobrevalorizar a atuação da região Centro-Sul no processo de “independência”.

A autora Maria Odila da Silva Dias - professora do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora aposentada do Departamento de História da Universidade de São Paulo - ao propor uma leitura mais ampliada do passado colonial inserido na dinâmica político-econômica do império português, renova os debates históricos referentes à formação das elites luso-brasileiras. Ao iniciar a sua obra, sugere a idéia de “continuidade do processo de transição da colônia para o império” [DIAS, 1972. p.160], afirmativa sustentada pelo próprio título, no momento em que é delimitada uma temporalidade mais extensa, entre 1808 e 1853.

De acordo com Dias, o fator essencial para a ruptura desse sistema de pacto colonial para o império brasileiro não foi a separação política em si, mas sim a vinda da Corte em 1808 seguido da abertura dos portos, fatores estes alheios à vontade tanto da colônia quanto da metrópole. A autora, assim, inova ao não se deter apenas nas pressões do cenário internacional, mas ao destacar o peso e a importância das dinâmicas internas no processo de ajustamento às mesmas, caracterizando o enraizamento do próprio estado português no Centro-Sul da América lusitana e a “transformação da colônia em metrópole interiorizada” [p. 171].

No que tange esta questão a autora procura estruturar sua hipótese demonstrando com eficácia que a nova Corte foi se distanciando do reino, a medida em que se opunham à recolonização do Brasil. Além disso, com a vinda da Corte em 1808 a professora demonstra toda uma reestruturação e melhora do sistema de comunicação com as províncias, no abastecimento da capital e na modificação do próprio sistema político, revelando as características de tal metrópole interiorizada.

Dias, sustentada em Sérgio Buarque de Hollanda, sugere que a separação política foi efetivada devido essencialmente às divergências internas de Portugal, tanto de interesses quanto de opinião, desencadeadas pelo liberalismo constitucional difundido na colônia proveniente da Revolução do Porto e a resistência das antigas estruturas do reino, portanto, uma “guerra civil entre portugueses” [p. 165]. Dessa forma, a autora afasta-se da concepção tradicional de uma consciência nacional, refutando a afirmativa da emancipação política como resultado do processo de união dos nativos que supostamente reivindicaram interesses comuns contra a metrópole.

Segue seu artigo procurando demonstrar ao longo de seu trabalho que cada província possuíam os seus interesses individuais e que estes constantemente não convergiam, revelando muitas vezes um papel dispersor do que unificador, característica esta demonstrada por Evaldo Cabral de Melo ao revelar os interesses de Pernambuco, que pretendia livrar-se da sujeição à Corte do Centro-Sul. O autor também defende a “desmistificação” de um idéia nacionalista no período de ruptura, mas afirma ser esta resultado de um desejo de poder da elite provincial, que possuía os seus próprios interesses e por isso almejava Desregrar-se tanto do domínio do reino quanto da nova Corte do Rio de Janeiro.

Entretanto, as obras de ambos complementam-se, pois Dias analisa o desejo de recrudescimento da colonização por parte dos portugueses através da sobrecarga das províncias do Norte do Brasil com o intuito de reestruturarem-se da crise interna, o que justifica tal visão provincial de Evaldo em obter uma independência mais pontual.

A autora analisa ainda o sentimento de insegurança perante as diversidades e insatisfações, principalmente das regiões do Norte e Nordeste, agravada com a revolução lusitana e a volta da Corte para Portugal, mostrando crer na centralização como um recurso imprescindível para a manutenção da ordem vigente. A busca de um poder mais sólido seria, portanto amplamente desejada pela elite do Centro-Sul, sendo necessário para isso o afastamento de opiniões e movimentos adversos a este ideal, indo assim de encontro com Evaldo, que defende que a historiografia tradicional tende a ocultar os movimentos de caráter federalista e valorizar o projeto Rio-centrista, de unidade e centralidade, que acabou por predominar no Brasil.

Entretanto, Maria Odila Dias adota uma visão de inevitabilidade da estruturação do império no momento em que afirma que “A sociedade que se formara [...] não tinha outra alternativa ao findar do século XVIII senão a de transformar-se em metrópole” [p. 170], enfoque este que o autor Evaldo de Melo refuta: “Se a Revolução Portuguesa de 1820 fazia previsível a mudança do statu quo colonial, não estava escrito nas estrelas que ela desembocaria no Império do Brasil” [MELO, 2004. p. 11], seguindo dessa foram, uma abordagem mais voltada para a historiografia tradicional que considera as transformações provenientes da Revolução liberal como inevitáveis por desconsiderar outras possibilidades de direcionamento.

Contudo, a obra de Maria Odila Dias não deixa de ser brilhante, justamente por inaugurar uma nova linha de interpretação historiográfica para o estudo do período colonial brasileiro, considerando o Brasil como parte integrante do império luso e vice-versa, além de ativo frente às dinâmicas políticas, sociais e econômicas do reino. A autora, portanto, descaracteriza certos conceitos até então enraizados no estudo historiográfico, deslocando para uma abordagem interna, que influenciou muitos autores posteriormente.

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